(Campinas-SP, 13/9/1911) – Historiador, poeta e compositor. Nome literário: Benoit Certain. Benoit cursou o primário e o secundário em Campinas. Com 16 anos, já residindo em Jundiaí, começou a publicar as suas crônicas no jornal A Folha. Em 1934, fez teste para locutor na Rádio Cruzeiro do Sul, classificando-se em 2º lugar. A partir de 1936, durante dez anos, Benoit entregou-se à pesquisa do passado histórico da cidade, disto resultando a obra História Colonial e Imperial de Jundiaí, com mais de 300 páginas, que entregou à Sociedade Amigos de Jundiaí, em 1947, sob promessa de publicação. Consta que referida obra teria sido impressa no setor de mecanografia do antigo Grupo de Artilharia de Dorso, porém, com uma tiragem simbólica a que pouquíssimas pessoas puderam ter acesso. No final dos anos 40, Benoit manteve vários programas culturais na Rádio Difusora Jundiaiense, havendo, em uma série deles, radiofonizado os seguintes capítulos do seu livro: A Vida de Rocinha, O Conde do Parnaíba, A Vida de Tibúrcio Siqueira, Nossa Senhora do Belém de Jundiaí, Jundiaí Agora é Cidade. Amante da música e da poesia, Benoit participou intensamente das rodas intelectuais e boêmias da cidade, inclusive acompanhando, por quase trinta anos, o grupo Chorões do Japy. Também fez música com muitos compositores famosos, como Pixinguinha e Lamartine Babo, e teve várias de suas canções gravadas em discos pela Odeon e pela RCA Victor. Da sua vasta produção, são lembradas: Menina Linda de Jundiaí, Morena de Olhos Azuis, Chorões do Japy, Da Rede ao Portal, Águeda (valsa, em parceria com Aquilino Cunha), Sou Sertanejo (parceria com Luiz Chiavegatti), A Bomba Estourou, Preto Véio e Hino a Jundiaí, esta última, feita em parceria com Lamartine Babo, especialmente para a Festa da Uva de 1938. Sobre o trabalho desse artista das letras, disse Tarcísio Germano de Lemos, em uma de suas crônicas na Revista de Jundiaí, em junho de 1952: “Todas as coisas que Benoit escrevia, mesmo os artigos, em que se encontra o maior senso crítico, traziam sempre um quê de poesia. As frases eram incisivas, mas sempre trazendo um sentimento do vate que não do crítico.” Seguem-se o Hino a Jundiaí e outras amostras da obra poética deixada por Benoit Certain:
Hino a Jundiaí
Salve
Jundiaí formosa
Cidade feita de rosas
Saudades vou levar
A chorar
Saudades daqui vou levando
Adeus, oh! Jundiaí
Que és minha de emoções
Dos Chorões
Dos Chorões do Japy.
Sigo
Contigo na Lembrança
Cidade da Esperança
Das rosas perfumosas
Das mil rosas.
Em cidade melhor
Também eu nunca estive
Adeus, oh! Jundiaí
Quem passa por aqui
Sem te adorar não vive.
(Benoit Certain e Lamartine Babo, 1938)
Flocos de uma Vida
I
Eu tenho a obsessão letal de um doido enigmatismo
Que me corrói as células aos poucos…
E vejo o mundo como um grande abismo
Onde os humanos bradam como loucos…
Quero tornar meus ouvidos moucos,
Quero não ver o “pandemoniun”, cismo!
Mas, mesmo assim perpassam, lassos, roucos,
Os abantesmas do meu fanatismo.
II
Contorço-me, Aflitíssimo, no leito,
Prevendo atrás da morte a noite escura…
Enfureço, rolo pelo chão, ai! – tropeço
Sinto a morte agarrando-se-me ao pé.
Irei passar à eterna incompreensão,
Dentro da Morte que inda não conheço,
Fora da Vida que eu nem sei o que é?
III
Eu bem conheço a significação
Macabra, confessora do meu fim,
Deste raminho de alecrim
Desta vela de cera em minha mão
E deste crucifixo sobre mim…
Bem sei, bem sei – enfim –
Que um padre
Vem trazer-me a extrema-unção…
IV
Desmoronou-se fragorosamente,
Como o estrupir de um pinheiral vencido,
O meu castelo azul, meu sonho ardente;
Essa ilusão do que tivera sido.
Mas nem por isso eu fico aborrecido
Ou entediado, com feições de doente,
Se a tudo eu havia pressentido
Por bem saber que nunca estarás contente…
V
Pensando bem, foi bom que isso se desse.
Antes que o golpe fosse mais profundo,
Jesus deu atenção à minha prece.
Tu nunca entendestes bem meu coração
Eu dei a mão a todo mundo
E tu queres o mundo em tuas mãos.
VI
Eu não tenho talento, que gera a beleza,
Eu não tenho a riqueza, que gera o conforto.
Eu não tenho a nobreza que gera a ilusão…
Só tenho um sonho lindo, agora quase morto,
No meu desconsolado coração…
VII
É uma vontade, bem sei, a derradeira.
A minha juventude espedaçada
almeja até na morte um “reve d’or”.
Queria ver-te à minha cabeceira
Rezando por minha alma torturada
Um “Padre-Nosso”, que eu não sei de cór…
VIII
E quando lá no campo,
Unindo-me aos destroços, a legião enrijecida,
Sem lágrimas por mim, sem uma flor…
Só restará de mim um monte de ossos:
Fragilidade do que fui na vida,
desmoronamento do que fui no amor…
IX
Peço, porém, às pessoas caridosas
e que que tenham religião:
que destruam todo o meu espólio,
cousas tais:
roupas velhas, livros, recibos,
minhas bugigangas, balandraus,
aquele “in-folio”
que fala sempre na felicidade,
minha fotografia e versos maus.
X
Se eu morrer isolado, num tugúrio mudo,
onde falta de tudo,
até mesmo a amizade do melhor amigo
(que levou mais tempo para me esquecer),
Peço, porém, às pessoas caridosas
e que que tenham religião:
que destruam todo o meu espólio,
cousas tais:
roupas velhas, livros, recibos,
minhas bugigangas, balandraus,
aquele “in-folio”
que fala sempre na felicidade,
minha fotografia e versos maus.
XI
Enfim, de tudo que eu deixe,
faça-se um feixe
e uma bela fogueira
que ilumine e faça ficar lindo o meu caixão.
XI
As cinzas disso tudo vão comigo
para o meu negro e derradeiro abrigo,
pois eu não quero que fique neste mundo
os vestígios de um profeta profundo
de desconsolo e desesperação.
XII
E depois…
Depois contem a ela o desenlace
para que ponha nas rosas da face
uma tristeza brusca e mostra de saudades
(cousas essas que ficam muito bem
a quem preza as convenções da sociedade).
E depois diga, entre fingida e compungida:
“– Ora, isso são cousas da vida!
Deus que tenha a sua alma em santa paz,
Ai…Ai… era tão bom o pobre do rapaz!”…
(Benoit Certain, 1934)
Sonho Antigo
Existe entre nós dois um sonho antigo,
sonho que nós vivemos a amargar,
sonho que eu não consigo transformar
na realização azul do meu desejo…
É muito puro o sentimento
que alimento por você…
Não existe sensualismo, nem pecado,
no olhar que eu tenho para o seu olhar.
Porque é que, afinal,
nós vivemos fazendo essa cousa tão sem graça
que faz tanto mal
aos nossos corações?
A vida passa,
a juventude é linda, mas tem fim…
Os seus olhos formosos
um dia irão perder a luz bendita,
olhos que são hoje, para mim,
a luz da minha vida espiritual!…
Eu quisera
que todos os dias límpidos de sol,
todas as noites lindas de luar,
os seus dedos sedosos de princesa
vivessem afagando os meus cabelos,
embalando meu sono agitado
com seus desvelos de esposa amiga e boa,
compartilhando as tristezas da vida
de quem quer bem você
como se pode nesta terra amar alguém.
Quando vem você me ver
e, de braços abertos, num correr,
enlaça meu corpo aceso para o amor,
nem posso conceber,
no mistério suave do seu ser,
todo o ardor
que pode minha vida confortar
na alcova perfumada do meu lindo lar!…
Que será de nós,
no turbilhão das cousas dos destinos
que deram de presente,
arbitrariamente,
à gente?
O passado foi bonito e ingênuo,
cheio de jasmineiros perfumados,
cheio de sonhos dourados,
que eu nunca pude ver realizados
para conforto do meu temperamento…
Glória do que existiu nos tempos idos
dentro das nossas almas infantis,
tempos em que vivemos iludidos,
acreditando que se pode ser feliz…
A minha esperança
está por um fio débil de pensamento.
Não chega a ser nem mesmo um ideal.
Sao dores de amor sentimental,
dores exclusivas e profundas,
que a gente nunca pode confessar,
sem corar.
Estou no fim da vida
e não cheguei ao começo do amor;
o meu pressentimento não me engana,
pois a minha vida é cousa humana
e o meu amor somente um deus pode sentir!
Eu dou toda razão a você..
Por que é que há de, um poeta louco,
fora de moda, fora de jeito,
viver a querer insuflar no peito
uma coisa que você não pode sentir?
Eu não tenho talento, que gera a beleza,
Eu não tenho a riqueza, que gera o conforto.
Eu não tenho a nobreza que gera a ilusão…
Só tenho um sonho lindo, agora quase morto,
No meu desconsolado coração…
Se eu morrer isolado, num tugúrio mudo,
onde falta de tudo, até mesmo a amizade do melhor amigo (que levou mais tempo para esquecer),
peço às pessoas boas.
que sejam caridosas e que tenham religião,
destruam todo o meu espólio,
coisas tais: roupas velhas, livros puídos, versos maus, minhas bugigangas, balandraus,
aquele in-fólio que fala sempre de felicidade,
minhas fotografias, enfim, de tudo o que eu deixe,
faça-se um feiche e uma bela fogueira
que ilumine e deixe lindo o meu caixão.
Benoit Certain, 1934