CHORÕES DO JAPY

Benoit (em pé, ao centro), improvisa um discurso em jantar  dos Chorões do Japi, nos anos 1940. Na frente, aparecem: Luiz Chiavegatti (o Patápio), João Pupo. Attilio D´Angieri, Vazinho D´Angieri, Augusto Húngaro e Pedro Duarte. Atrás, à direita de Benoit, vemos Flávio D´Angieri, Benedito Soares, Plínio Bonilha e Zé Doval; à esquerda, Alberto Galetto, Jacob Rodrigues, Mário Mazzola, Aquilino Cunha, Joanin Castiglioni e Orlando D´Angieri.

Conjunto musical surgido em Jundiaí em 1919. O grupo costumava reunir-se tanto nos bares como em festas, serestas, desfiles de carnaval, tocando e cantando sambas, valsas, maxixes e, principalmente, chorinhos. Conforme depoimento prestado por José Doval a Deolinda Copelli (Folha de Jundiaí, 14/12/1955), o Chorões do Japy foi criado por iniciativa de Luiz Chiavegatti, o Patápio, que se manteve na liderança do grupo até 1947. Compunham-no, nos primeiros tempos, o próprio Patápio, João Pupo, José Doval (Zé Baleia), Dorival D’Angieri (Vazinho), Benedito de Paula Certain (Benoit), Benedito Soares, Carlos Cordts e Aquilino Cunha. Depois, vieram integrálo outros chorões, como: Jacó, Henrique West, Juca Silvino, Mário Mazzola, Geraldo Bellini (Riachão), Diogo Lucena, Walter Savaglia, Raul Bicudo, Plínio Bonilha, Rolando Hedlund, Álvaro e Isabel Bigas Vanzan. Apesar de ter existido desde 1919, o Chorões veio a ter projeção mais acentuada a partir de 1934, quando conquistou a primeira colocação nos desfiles comemorativos da 1ª Festa da Uva de Jundiaí. Em 1962, obteve a melhor classificação entre os blocos participantes do carnaval de rua, apresentando-se com o nome Lira Branca. Nos últimos tempos do grupo, suas reuniões eram realizadas no Bar do Zinho, também conhecido como Bar da Saudade ou “Risca a Vida”. Em 5/6/1977, a lembrança do grupo foi reavivada em uma “Noite da Seresta” realizada na Praça Marechal Floriano Peixoto, da qual tomaram parte alguns de seus antigos componentes e músicos que chegaram a acompanhá-lo em suas derradeiras apresentações. Lá estavam: Álvaro Vanzan (violão de sete cordas), Mário Levada (violão), Nardinho (cavaquinho e bandolim), Maurílio (clarinete e saxofone), Antonio Gaino (acordeão), Diogo Lucena (surdo), Antonio Armelin (pandeiro) e Henrique Augusto (vocal). Dentre os registros feitos na imprensa sobre os Chorões, destaca-se a crônica que segue, publicada por Erazê Martinho no Jornal de Jundiaí:

“Maravilhosos e genialmente coerentes, visceralmente amadores, os boêmios Chorões do Japy não deixaram registros das suas reuniões. Suas performances faziam parte do afazer de todas as quintas-feiras, espécie de culto onde a música, a poesia e a cachaça eram parâmetros, e o bar, seu templo. Daí estas maltraçadas não terem a menor pretensão de documentar, mas, sim, de devanear a respeito do grupo, juntando testemunho pessoal, pedaços de conversa e ouvir dizeres. Meu primeiro contato com os Chorões do Japy foi em fins de 1950, através da filha de um deles, minha aluna do Curso Normal das Escolas Anchieta. No dia da formatura de Lúcia D’Angieri fui convidado para a festa que a família lhe dedicava, depois da solenidade de diplomação. Conheci, então, Dorival D’Angieri, o Vazinho, e sua mulher, Dona Zulmira Rinaldi D’Angieri. Vazinho era um dos fundadores dos Chorões e exímio percussionista; Dona Zulmira, sua notável cantora. Não me flagrasse eu, até hoje, conversando com ele e ouvindo Corguinho, na voz dela, diria que eles já morreram – Vazinho há cerca de dez anos, Dona Zulmira no começo deste ano. A partir daquela festa, frequentei quanto pude as reuniões dos Chorões do Japy, àquele tempo já esporádicas, restritas às comemorações do 1º de Maio e um ou outro domingo, no sítio Casa Branca da Serra, situado nos altos do Horto Florestal, propriedade do Vazinho. Nos seus melhores tempos os Chorões reuniam-se às quintas-feiras, no bar do Hamleto Pellicciari, na Rua Carlos Gomes, Ponte São João. Satirizando as reuniões semanais dos maçons, os Chorões denominavam seus saraus de reunião da Turma do Bode (referência ao bode preto, da maçonaria). Dona Dileta, esposa do dono do bar, preparava bistecas de boi e arroz branco como poucas deusas do Olimpo conseguem. Além de cozinheira oficial, dona Dileta foi musa inspiradora de algumas poesias – outra prática dos Chorões – especialmente as escritas por Waldemar de Almeida Ramos, seu fã mais ardoroso. O líder do conjunto não era músico. José Doval, o Zé Baleia, ferroviário da Companhia Paulista, como Vazinho D’Angieri, tinha relações pessoais com um dos donos da Casa Edson (famosa por ser anunciada por um locutor, no início das gravações fonográficas, feitas pela própria Casa Edson), de quem recebia discos e partituras de músicas de seresta – modinhas, valsas, choros, sambas dolentes, o que havia de melhor na época. Sua liderança se sustentava pelo conhecimento musical que possuía. Zé Baleia tinha um toca discos portátil e manual (de corda), onde fazia rodar as músicas para que os Chorões, tocadores de ouvido, as aprendessem. Embora virtuosíssimos, a maioria deles tocava de ouvido, exceção feita a Aquilino, violonista e clarinetista, e ao flautista Patápio (apelido dado em homenagem a Patápio Silva, o excepcional músico carioca). Infelizmente, não me lembro do sobrenome de Aquilino e de muitos outros Chorões, e nunca soube o verdadeiro nome de Patápio, que não conheci pessoalmente. Sempre em dia com a boa música de Catulo, de Noel, de Pixinguinha, de Joubert de Carvalho, de Paraguassu (que esteve na Casa Branca da Serra visitando o grupo), de Benedito Lacerda, de Zequinha de Abreu, Ernesto Nazareth e outros, os Chorões do Japy eram também autores e incluíam músicas próprias em todas as apresentações. A valsa Águeda, de autoria de Aquilino e dedicada à primeira filha de José Doval, é obra prima que merece ser registrada na história das peças de violão. Benoit Certain era o Chorão de formação mais intelectualizada. Professor de português em escolas de Jundiaí, autor de poesias notáveis – algumas de posse das famílias D’Angieri e Doval –, orador vibrante, o mulato Benoit Certain cantava e se acompanhava ao violão, além de discursar em nome dos Chorões, quando o grupo se exibia em lugares públicos, aqui ou em cidades vizinhas, para onde a ferrovia levasse a fama do grupo. O renome dos Chorões do Japy fazia com que alguns chefes de estação e diretores de associações recreativas os convidassem para tocar em suas casas ou em clubes. Benoit também se destacava por improvisar discursos sobre temas dados na hora, outra prática dos Chorões, da qual participavam advogados, médicos e até um sacerdote, o padre Guerrazzi – pessoas que se afinavam com a alma boêmia dos músicos e entendiam o valor dos saraus que promoviam no bar, é claro. Além de Guerrazzi, o professor Flávio D’Angieri, o médico Clóvis de Sá e Benevides, o farmacêutico Bonilha e o dentista Oswaldo de Almeida Leite eram frequentadores assíduos das reuniões tertúlias. Mário Mazzola, barbeiro, tocava o violão mais mavioso de que tenho conhecimento. Mavioso como seu jeito de pouca fala e riso contido. Outro Barbeiro, Jacó, era cavaquinista e uma das almas mais sensíveis entre os Chorões. Era fatal que, quando a cachaça começava a afogar as censuras, Jacó retirasse da carteira a foto de sua filha, freira, e a ela dedicasse palavras e lágrimas de carinhosa saudade. O pintor Amadeu Accioly, cearense, sempre trajando paletó e gravata, mesmo no meio da capoeira de mato onde os Chorões faziam questão de celebrar o Dia do Trabalho, declamava poemas clássicos com embriagador sotaque nordestino. Impossível esquecer a sensação que a fala feita de sons guturais provocava nos ouvidos caipiras da gente. Diogo era um dos cantores e o outro percussionista. Falecido neste ano, Diogo era ultimamente músico da Banda Sanjoanense. O bem-humorado Juca, que também não conheci pessoalmente, foi o coreógrafo dos Chorões do Japy, sempre que o grupo participava dos corsos de carnaval. O irreverente Juca era baliza nos desfiles pelas ruas Barão e do Rosário. Já com poucos músicos da formação original e alguns mais novos, os Chorões do Japy participaram, pela última vez, do carnaval de rua de 1959 (salvo falha de memória). Entre os componentes estavam Álvaro Vanzan, mestre do violão de sete cordas, e sua mulher, a intuitiva meio-soprano Isabel Bigas, que trouxe timbres de canto lírico à seresta dos Chorões, coisa mais maravilhosa. Paro por aqui. O canto de um sabiá, alí na mata que minha janela emoldura, no Sítio do Sem-Fim, onde escrevo, anuncia que está começando uma seresta dos Chorões do Japy. Deve ser ensaio para o dia que me receberão. Eu mais preciso do que mereço, mas quero estar com eles, nas profundezas ou nas alturas, onde quer que estejam chorando – no bom sentido.”

Ficaram ainda, como lembrança do grupo, os seguintes versos de Diogo Lucena, publicados no Jornal da Cidade de 17/1/1986:

“Quando passo pela avenida Prof. Luiz Rosa,

lembro-me do antigo Bar da Saudade,

aqueles amigos bons, que turma saudosa!

Quando lá nos encontrávamos, era grande a felicidade.

Hoje, ao ver aquelas paredes demolidas,

a nossa sala abandonada e vazia,

onde as melodias saíam tão cheias de filosofia,

relembro as coisas bonitas que ali

a gente aprendia.

Tomava-se caninha pura, todas do tipo especial,

a Santa Margarida e a preferida, Piraí.

Naquelas reuniões sem igual,

intitulávamo-nos Chorões do Japy.

Saudades do mestre Aquilino, Riachão e Benoá.

Saudades do velho Jacó, Juca, Plínio

e do grande Zé Doval.

Entre nós, nenhum deles mais está.

Lamento, chorando, esse mal.”

O grupo, reunido durante uma feijoada. São identificados, ao fundo: Benoit Certain, Zé Doval, Flávio D’Angieri, Jacó e Vazinho D’Angieri.
Zé Doval, Aquilino Cunha, Mário Mazzola, Rolando Hedlund, Jacó, Nardinho, Geraldo Belini (Riachão) e Diogo Lucena, na porta do Sibon’s Bar, na Ponte São João, em 20/5/1960, arrecadando fundos para o jogador Paulistinha, que, na época sofrera a perda de uma perna. Ao lado de Lucena, está o fotógrafo Agostinho Tucci.
Os Chorões do Japy junto ao túmulo de Zé Doval, na passagem do 1º mês da morte do companheiro. Quem faz o discurso é Tarcísio Germano de Lemos.
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EFEMÉRIDES
Em 26 de julho de ...
1892 Nascia em Jundiaí o professor João Duarte Paes.
1904 Nascia em Jundiaí a pianista Maria Paes Costa.
1906 Nascia em Jundiaí o ator João Saltori.
1926 Falecia em Jundiaí, aos 70 anos, Boaventura Mendes Pereira, chefe político na cidade.
1927 Nascia em Jundiaí o músico e compositor Eraldo Pinheiro dos Santos.
1962 Falecia em Jundiaí, aos 67 anos, o jornalista e dramaturgo José Aparecido Barbosa (Juquita Barbosa).
1969 Falecia em Jundiaí, aos 56 anos, o músico Antonio Carelli (Nhô Zinho).
1970 Nascia em Jundiaí a musicista Luciana Feres Naguno.
1982 Falecia em Campinas-SP o ferroviário e voluntário de causas sociais Vicente Breternitz.

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